Instituto Olho d'Água
NOSSA HISTÓRIA
A criação do Instituto Olho d’Água deve ser entendida como uma iniciativa retroalimentada, onde ações e resultados se desdobram em mais ações, de acordo com a resiliência da comunidade.
Nossos projetos integram a rede de produção do conhecimento das Ciências da Sustentabilidade desenvolvida pela ONU para atender os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, configurando-se como um projeto inovador na região e mostrando que a comunidade passou a olhar para a sua cultura popular com o sentimento de (re)valorização e apropriação, entendendo que os seus saberes tradicionais, os seus ofícios, os seus lugares, a arquitetura vernácula, os seus mitos, as suas festas tradicionais, os seus rituais, os seus objetos e os modos de fazer são tão importantes quanto o patrimônio arqueológico milenar da Serra da Capivara, onde tudo isso junto, faz parte da própria constituição desse território milenar.
O IOd'A existe para evocar elementos que fortalecem o protagonismo comunitário e instiga a vocação criativa das comunidades para o bem-estar social - no cuidado com o meio ambiente, na defesa da vida, na preservação da memória, das tradições e do patrimônio cultural, em conexão com o acervo arqueológico do PNSC.
O andamento das atividades do IOd'A dá resultados, ao mesmo tempo que permite momentos de cura, sempre tendo como norte novos caminhos para desenvolver vocações da comunidade de maneira inovadora e transformadora, renovando e aplicando conceitos para atender demandas sociais.
Turismo cultural, educação patrimonial e inclusão
O IOd’A oferece uma variedade de experiências para diferentes públicos. Para o visitante em geral, apresentamos exposições cativantes, como “Filhos das Serras” no Centro de Memórias dos Povos da Serra da Capivara e “Memórias do Agora”, na área externa do Instituto, ambas acessíveis através de visitas guiadas gratuitas, com agendamento prévio.
Turistas explorando o Parque Nacional da Serra da Capivara têm a oportunidade de incluir o IOd’A em seu itinerário, proporcionando uma imersão na rica cultura dos povos das Serras. Aqui, os visitantes podem vivenciar autenticamente o modo de vida local por meio de atividades e explorar nosso acervo diversificado. O espaço atrai também estrangeiros interessados em aprofundar seu entendimento sobre a vida e o patrimônio histórico-cultural do sertão brasileiro, participando ativamente de atividades e visitas guiadas.
Para o público acadêmico, realizamos palestras elucidativas sobre a memória e o patrimônio cultural dos povos das Serras, promovendo vivências patrimoniais com experimentações didáticas, incluindo escavações arqueológicas experimentais em nosso espaço. Além disso, estamos abertos e mantemos parcerias valiosas com universidades locais e estaduais. Em 2023, por meio da Parceria Institucional Convênio - 202300504, com a Universidade Federal do Piauí - UFPI, absorvemos uma estagiária do curso de Arqueologia e Conservaçeão de Arte Rupestre, a fim de enriquecer nosso quadro de atividades com as criancas e visitantes, além de trocar experiências e conhecimentos.
O IOd'A, atento à diversidade, estende suas experiências inclusivas à comunidade surda. Nossa equipe é proficientemente versada em Libras, garantindo que as exposições, visitas guiadas e atividades sejam acessíveis a todos.
A HISTÓRIA DE VIDA DA FUNDADORA
Marian Helen da Silva Gomes Rodrigues
Infância e raízes familiares
Em 1979, minha família, como muitas outras, vivia dentro de uma área que posteriormente foi transformada em parque. Apesar de muitas famílias terem sido desapropriadas e recebido indenizações, outras, como a minha, foram expulsas sem nenhum tipo de compensação. Minha família materna e paterna nasceu e viveu a vida inteira naquele território. A área abrigava mais de mil pessoas distribuídas em diferentes comunidades.
Eu era recém-nascida quando fomos obrigados a sair da área, mas cresci ouvindo os lamentos da minha família. Eles contavam como era difícil ter perdido tudo e como aquela terra representava a vida deles. Meu pai, um grande contador de histórias, descrevia como viviam lá, o que faziam, e a conexão profunda que tinham com aquele território. Isso marcou profundamente minha infância e me fez questionar por que nossa comunidade perdeu o direito de viver em um lugar que passou a ser considerado patrimônio da humanidade.
Educação e descoberta de um propósito
Conforme cresci, esses questionamentos me levaram a me aproximar dos arqueólogos que trabalhavam no parque. Desde jovem, comecei a atuar como assistente em projetos e programas ligados ao parque, o que despertou em mim o desejo de aprofundar meu conhecimento. Incentivada pela minha família, decidi buscar uma formação acadêmica. Apesar das dificuldades – já era casada e tinha um filho pequeno – fui para Portugal fazer meu mestrado em arqueologia, com foco em gestão do patrimônio.
Foi lá que encontrei uma linha de pesquisa que me permitiu estudar a história do meu povo e narrar nossa perspectiva. Desenvolvi um trabalho que mostrava que não éramos destruidores da natureza, como muitas vezes éramos retratados. Pelo contrário, protegíamos e preservávamos aquele território por gerações. No mestrado, entrevistei membros da comunidade de diferentes idades e documentei seus relatos. O desejo deles era claro: ter sua história reconhecida como patrimônio cultural.
Nascimento do Instituto Olho d’Água
Após concluir o mestrado, percebi que a comunidade dificilmente teria acesso ao meu trabalho acadêmico. Foi então que comecei a registrar as histórias que meu pai contava, visitando o parque com minha família para mapear onde haviam vivido. Outros moradores da comunidade passaram a se interessar, compartilhando suas próprias histórias e doando objetos que haviam trazido da área.
Esses esforços culminaram na criação do Instituto Olho d’Água, nome inspirado na comunidade onde minha família paterna vivia dentro do parque. No início, o instituto tinha como objetivo apenas preservar a memória dos povos expulsos. Comecei organizando um pequeno museu em um quartinho da minha casa, com objetos doados pela comunidade. Paralelamente, como educadora, comecei a trabalhar com crianças, ensinando-as sobre nossa história por meio de atividades na praça e em oficinas de leitura.
Com o tempo, o instituto cresceu. Consegui recursos por meio de editais, montei uma biblioteca com 3 mil livros doados e envolvi cada vez mais pessoas da comunidade, incluindo meus familiares, que atuavam de forma voluntária. O Instituto Olho d’Água se transformou em um espaço de preservação da memória coletiva e educação comunitária.
Reconhecimento e retorno à comunidade
Depois de muitos anos de trabalho e estudos, finalizei meu doutorado na mesma linha de pesquisa, apresentando o Instituto Olho d’Água como um modelo de empoderamento para comunidades vulneráveis. Em 2018, meu esposo e eu decidimos voltar para nossa região de origem e estruturar melhor o instituto. Criamos um documentário sobre nossa história, conseguimos apoio do governo para reformar um espaço físico e transformamos o instituto em um local de visitação turística, educação e imersão comunitária.
Nesse período, o parque passou por uma reestruturação, e o órgão federal responsável queria que a gestão fosse feita por alguém da região, capaz de mediar conflitos e se conectar com as comunidades. Fui convidada para assumir a chefia, tornando-me a primeira pessoa da comunidade a ocupar essa posição. Aceitei o desafio e, desde então, venho conciliando minha atuação no parque com meu trabalho voluntário no instituto. Hoje, o Instituto Olho d’Água é um centro de memória vivo. Recebemos mais de dois mil visitantes no último ano ( 2024), e o trabalho é conduzido pela comunidade, para a comunidade. Organizamos atividades educativas, contratamos moradores locais e mostramos ao mundo a riqueza da nossa história e cultura.
Reflexões finais
A educação transformou minha vida. Ela abriu portas e ampliou minha visão de mundo, permitindo que eu entendesse o valor do conhecimento e da memória coletiva. Embora tenha sido difícil trilhar esse caminho, sem referências anteriores na minha comunidade, sinto que meu propósito é devolver o que aprendi, ajudando outras pessoas a enxergar seu valor e potencial. Meu maior desejo é que nossa história seja contada com o mesmo respeito e destaque que a história da humanidade do parque.
Como educadora e gestora, acredito que, mesmo em um lugar tão remoto e desafiador como o sertão, a educação e o empoderamento cultural podem transformar vidas.